A decadência no Direito Tributário
Autor: Eduardo Sabbag
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O desenvolvimento das relações jurídicas não se põe imune aos efeitos inexoráveis do tempo. O pensamento jurídico concebe, assim, institutos que, vinculados a um certo intervalo temporal, criam, modificam ou extinguem direitos para os sujeitos do negócio jurídico, em nome de um elemento axiológico de maior relevo, qual seja, a segurança jurídica. Nesse contexto, desponta o instituto da decadência.
Com efeito, a decadência desponta como consequência da necessidade de o Direito lidar com essa questão do tempo, uma vez que, no transcorrer deste, nem todos os direitos e deveres devem ser plenamente exercidos[1]. Como explica Eurico de Santi[2], “decadência e prescrição não são formas de se fazer justiça. São formas concretas que o direito encontrou para conviver com esse deus tão poderoso: o tempo”. Assim, o verdadeiro fundamento da decadência é a paz social, a estabilidade das relações jurídicas e a própria segurança jurídica, uma vez que as coisas não podem arrastar-se indefinidamente.
A decadência aplicada ao sistema tributário, à luz do CTN, tem sido motivo de grande polêmica e gerado incontáveis incompreensões, na doutrina e na jurisprudência, sobretudo do STJ.
Em regra geral, a decadência (do latim cadeus, de cadere, na acepção de “perecer, cair ou cessar”) é uma forma extintiva de direito subjetivo (do sujeito ativo), constante numa relação jurídica de direito material, substantivo ou substancial.
Com efeito, o direito subjetivo é a faculdade do sujeito de exercer uma conduta diante da ocorrência de um fato. Desse modo, enquanto o direito objetivo refere-se às normas jurídicas, constituindo-se numa pauta básica de valores, o direito subjetivo, no âmbito da obrigação tributária, atrela-se à faculdade do sujeito ativo de agir em direção ao sujeito passivo, com o fito de proceder ao lançamento.
Assim, a decadência é instituto que visa atacar o próprio direito, promovendo seu decaimento ou seu perecimento e, ipso facto, a extinção do crédito tributário (art. 156, V, do CTN). Diz-se que a decadência nasce em razão da omissão ou inação do sujeito ativo no exercício da faculdade de proceder ao lançamento e, a partir desse momento, interrompe o processo de positivação do direito tributário. Provoca, assim, uma espécie de “autofagia do direito”, motivada pelo tempo. Mostra-se, na máxima: “um direito que extingue um direito, produzindo novo direito”[3].
A propósito, entendemos estar garantido o direito à restituição de tributo, pago a maior ou indevidamente, já atingido pela decadência. De fato, quando se tem o decaimento do direito de lançar, perece a relação obrigacional, extinguindo-se o próprio direito material, não mais existindo a dívida. Sendo assim, havendo o pagamento de um tributo atingido pela caducidade, desponta o direito à restituição, uma vez que se pagou o que não mais se devia. Tal entendimento pode ser corroborado no art. 156, V, do CTN, segundo o qual a decadência extingue o crédito tributário, o que dá franco direito à restituição. Daí se afirmar, nesse passo, que a prescrição, de igual modo, gera o direito à restituição, embora haja vozes no sentido de que, na prescrição, estaria extinto apenas o direito de ação, sobrevivendo o direito material de que era titular o sujeito pretensor. Parece-nos que a melhor solução está na garantia da restituição tanto para aquele que paga crédito decaído quanto para aquele que procede ao pagamento de crédito prescrito.
Ad argumentandum, há certa polêmica sobre o verdadeiro objeto da decadência: para alguns, é o crédito tributário, conforme dispõem os arts. 156, V e 173, ambos do CTN; para outros, é a própria obrigação tributária. Tal divergência decorre, na verdade, da seguinte discussão: (I) se o crédito tributário somente nasce com o lançamento[4] ou (II) se o crédito tributário surge junto com a obrigação tributária. No primeiro caso, o decurso do prazo decadencial não teria o condão de extinguir o crédito tributário, uma vez que este ainda não existiria, mas, sim, a potência de fulminar a própria obrigação tributária. No segundo caso, o crédito nascendo junto com a obrigação tributária (e com a própria ocorrência do fato gerador), seria crível aceitar a decadência como uma verdadeira causa extintiva do crédito tributário.
Em tempo, diga-se que, na visão do STJ, em sede de recurso repetitivo, “a decadência, consoante a letra do art. 156, V, do CTN, é forma de extinção do crédito tributário. Sendo assim, uma vez extinto o direito, não pode ser reavivado por qualquer sistemática de lançamento ou autolançamento, seja ela via documento de confissão de dívida, declaração de débitos, parcelamento ou de outra espécie qualquer (DCTF, GIA, DCOMP, GFIP, etc.)” (REsp 1.355.947/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., j. 12-6-2013).
O prazo de decadência existe para que o sujeito ativo da obrigação tributária, o Estado credor, constitua o crédito tributário com presteza, evitando que este seja fulminado pela caducidade. Segundo a literalidade do caput do art. 142 do CTN, a constituição do crédito tributário ocorre por meio do lançamento, que deve se dar em um interregno de 5 anos (quinquênio ou lustro decadencial).
Frise-se, ainda, que a Fazenda não está inibida de proceder ao lançamento, prevenindo a decadência do direito de lançar, mesmo que haja a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Portanto, a simples suspensão do crédito tributário (art. 151, I a VI, CTN) não impede a sua constituição e, desse modo, não influi no prazo decadencial. Há iterativa jurisprudência nesse sentido:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. PRAZO QUINQUENAL. (…) 3. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário na via judicial impede o Fisco de praticar qualquer ato contra o contribuinte visando à cobrança de seu crédito, tais como inscrição em dívida, execução e penhora, mas não impossibilita a Fazenda de proceder à regular constituição do crédito tributário para prevenir a decadência do direito de lançar. 4. Embargos de divergência providos (EREsp 572.603/PR, rel. Min. Castro Meira, 1ª T., j. 8-6-2005; ver, nesse sentido: REsp 119.156/SP, rel. Min. Laurita Vaz, 2ª T., j. 5-9-2002) (Grifos nossos).
No intuito de sistematizar as principais ideias constantes nesse artigo, antecipamos agora algumas premissas relevantes quanto à decadência:
a) a decadência atinge o direito subjetivo do sujeito ativo da obrigação tributária, constante numa relação jurídica de direito material, substantivo ou substancial;
b) a decadência decorre sempre de lei, sendo tratada, com exclusividade, em lei de normas gerais, ou seja, o próprio art. 173 do CTN. Tal entendimento deflui da leitura do art. 146, III, b, da CF, tendo sido ratificado pelo teor da Súmula Vinculante n. 8, em junho de 2008;
c) à decadência aplicam-se os princípios da legalidade e da segurança jurídica;
d) antes do lançamento, somente se pode cogitar de decadência;
e) ocorrendo a decadência, não se opera a prescrição. Com efeito, “constituído o crédito tributário pelo lançamento, cessa a cogitação de decadência para iniciar-se a cogitação de prescrição. Onde termina a primeira, começa imediatamente a segunda, sem qualquer hiato”[5];
f) é possível a restituição de tributo atingido pela decadência.
2. A DECADÊNCIA NO CTN: UMA VISÃO GERAL.
Quando se confrontam os dois comandos do CTN, adstritos à temática geral da decadência – art. 173, I versus art. 150, § 4º –, há de se analisar o dies a quo, neles previsto, para a contagem da caducidade.
O art. 173, I, do CTN prevê como marco inicial o “primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”; já o art. 150, § 4º, do CTN prevê o dies a quo para a “data do fato gerador”. A ambos, somar-se-á o prazo de 5 anos, para a verificação da extemporaneidade ou não do lançamento.
Analisando-se mais detidamente o primeiro marco, surge a seguinte indagação: qual será o exercício em que o lançamento poderia ter sido efetuado? Parece-nos que é o próprio exercício em que houver ocorrido o fato imponível, sinalizando ao intérprete, sem grande esforço exegético, que o prazo do art. 173, I, do CTN é um pouco maior que o prazo de que cuida o art. 150, § 4º, do CTN. Isso permite ao Fisco maior fôlego para lançar, conforme a aplicação de um ou de outro comando normativo.
Em linhas gerais, apresentamos adiante duas situações práticas possíveis que servem, de início, para demonstrar a utilização dos referidos artigos:
1ª Situação: lançamento por homologação, COM pagamento do tributo.
Recomenda-se, nesse caso, a aplicação exclusiva do art. 150, §§ 1º e 4º, do CTN. Trata-se da hipótese típica e clássica de aplicação do indigitado comando. O prazo decadencial será de 5 (cinco) anos a contar do fato gerador. Assim concebe o STJ[6], na esteira de uma posição considerada irrepreensivelmente correta pela doutrina. Note o artigo:
Art. 150. (…)
- 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
- 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. (Grifo nosso)
2ª Situação: lançamento por homologação, SEM pagamento do tributo.
Nesse caso, em que o lançamento é por homologação, porém não se tem antecipação de pagamento, destacam-se duas soluções propostas, conforme o entendimento do STJ:
a) Aplicação exclusiva do art. 173, I, do CTN: defende-se que, não havendo o pagamento, não haverá o que homologar, porquanto faltará objeto ao lançamento por homologação. Sendo assim, diz-se que a constituição do crédito deverá observar o 173, I, do CTN. Observe o dispositivo:
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
Veja-se o teor da didática ementa:
EMENTA: Se não houve pagamento antecipado pelo contribuinte, é cabível o lançamento direto substitutivo, previsto no art. 149, V, CTN, e o prazo decadencial rege-se pela regra geral do art. 173, I, CTN. Precedentes da 1ª Seção (REsp 445.137/MG, 2ª T., rel. Min. Castro Meira, em agosto de 2006) (Grifos nossos).
b) Aplicação cumulativa dos arts. 150, § 4º e 173, I, ambos do CTN: o dies a quo do prazo do art. 173 é o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do art. 150, § 4º, do CTN. Resumidamente, na trilha do STJ, diz-se que, para os lançamentos por homologação, será utilizado o art. 150, § 4º, do CTN, nos casos típicos de antecipação de pagamento, e o art. 173, I, do CTN, nos casos de ausência de antecipação, ressaltando que se defende, neste último caso – hoje, com menor força – a aplicação cumulativa dos artigos. Observe a jurisprudência que sintetiza a superação da ideia de cumulação de prazos:
EMENTA: 1. Nas exações cujo lançamento se faz por homologação, havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial a partir da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CNT). 2. Somente quando não há pagamento antecipado, ou há prova de fraude, dolo ou simulação é que se aplica o disposto no art. 173, I, do CTN. 3. Em normais circunstâncias, não se conjugam os dispositivos legais. 4. Recurso especial provido (REsp 279.473/SP-2002, 2ª T., rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 22-9-2004; ver, nesse sentido: REsp 172.997/SP-1999).
2.1. A decadência no CTN: análise do art. 173, I
O art. 173, I, do CTN é considerado a regra geral de decadência, embora dele não conste, textualmente, o vocábulo “decadência”. O preceptivo alcança os tributos, cujos lançamentos são: (a) direto ou de ofício; (b) por declaração ou misto; (c) por homologação (sem antecipação de pagamento). O tributo lançado por homologação (com antecipação de pagamento), como se notou, dispõe de regra própria de cálculo – ou seja, uma regra “especial” –, constante do art. 150, § 4º, CTN.
Observemos um caso prático:
O IPTU, relativo ao ano 2012, pode ser exigido até que data, por meio de lançamento?
ANÁLISE: sendo o IPTU lançado de ofício, utiliza-se o art. 173, I, do CTN, com aplicação do prazo de cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
Detalhamento gráfico que demonstra o cálculo, passo a passo: | |
1º passo | 2º passo |
O art. 173, I, CTN,
na ordem convencional: |
Seguindo a ordem invertida da sequência a-b-c-d, ao lado, com o fito de facilitar a compreensão, buscaremos as respostas às indagações: |
(a) São cinco anos…
(b) a contar do primeiro dia… (c) do exercício seguinte… (d) àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. |
1º (d) Em que ano o lançamento poderia ter sido efetuado?
2º (c) Qual é o exercício seguinte a este ano? 3º (b) Qual é o primeiro dia desse exercício seguinte àquele ano? 4º (a) Como é a contagem do quinquênio a partir desse exercício seguinte? |
À luz do caso prático proposto, perante o já facilitado confronto em epígrafe, no 1º e 2º passos, teremos as seguintes respostas:
2012 Ano em que o lançamento poderia ter sido efetuado [1º(d)] 2013Exercício seguinte ao ano em que o lançamento poderia ter sido efetuado [2º(c)] 1º-1-2013 1º dia do exercício seguinte àquele ano (Aqui se começa a contar do zero) [3º(b)] 1º-1-2014 Contagem: um ano (Desenrolar da contagem de cinco anos…) [4º(a)] 1º-1-2015 Contagem: dois anos 1º-1-2016 Contagem: três anos 1º-1-2017 Contagem: quatro anos 1º-1-2018 Contagem: cinco anos Em razão do cálculo em epígrafe, é possível chegarmos a três conclusões: 1ª Se a autoridade fiscal vier até dezembro de 2017, isto é, até 31-12-2017, poderá haver lançamento, sem vício de decadência; 2ª Se a autoridade fiscal vier na data de 1º-1-2018, já terá havido decadência, não se podendo falar em lançamento. Isso porque o direito se extingue nesta data; |
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3ª Se a autoridade fiscal vier após a data 1º-1-2018, maior perda de prazo terá havido, exsurgindo nítida a ocorrência da decadência.
A propósito, a jurisprudência tem ratificado com tranquilidade a sistemática (de cálculo) acima demonstrada. |
É importante destacar que o STJ apreciou o caso do contribuinte que, devendo declarar, não realiza a entrega da declaração, nada pagando, por óbvio. Aqui, não há que se falar em “prescrição”, porquanto não houve a constituição do crédito, devendo esta se dar por meio do lançamento. Assim, nesse caso, só se fala em decadência. Aliás, em 9 de dezembro de 2015, o STJ lapidou a Súmula n. 555: “Quando não houver declaração do débito, o prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário conta-se exclusivamente na forma do art. 173, I, do CTN, nos casos em que a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa”.
2.2. A decadência no CTN: análise do art. 150, § 4º
O art. 150, § 4º, do CTN é considerado a regra especial de decadência. O preceptivo alcança, com exclusivismo, os tributos lançados por homologação, com a típica antecipação de pagamento, consoante a jurisprudência prevalecente no STJ. O prazo é de 5 (cinco) anos a contar do fato gerador[7].
No lançamento por homologação, sói ocorrer uma típica antecipação de pagamento, permitindo-se ao Fisco conferir sua exatidão em um prazo decadencial de cinco anos, contados a partir do fato imponível. O transcurso in albis do quinquênio decadencial, sem que se faça uma conferência expressa, provocará o procedimento homologatório tácito, segundo o qual perde a Administração Pública o direito de lançar, de modo suplementar, uma eventual diferença.
Com efeito, conforme assevera José Jayme de Macêdo Oliveira[8], “transcorrido dito lustro, sem a manifestação da Fazenda Pública, verifica-se a chamada homologação tácita, perdendo aquela, pelo fenômeno da decadência, o direito de exigir possíveis diferenças”.
Lembre-se, a propósito, que no caso do ICMS, apesar de o contribuinte apresentar a Declaração (GIA) no mês seguinte, a contagem da decadência tem início a partir da data do fato gerador (por exemplo, a data da saída da mercadoria com a emissão da nota fiscal). Se se tratar do IR, a data da entrega da declaração de rendimento é irrelevante, porque a contagem será a do fato gerador, que neste imposto se dá no dia 31 de dezembro.
Ad argumentandum, a expressão “homologação tácita do lançamento” é adotada pelo CTN (§ 4º), não obstante sabermos que, até então, na relação jurídico-tributária, não existe lançamento. Tal raciocínio leva estudiosos a afirmarem que, no lançamento por homologação, inexiste a decadência, em si, mas sim a decadência do direito de a Fazenda exigir, por meio do lançamento de ofício (art. 149, V), o resíduo tributário, relativo à incompleta antecipação de pagamento.
Em outras palavras, o Código Tributário Nacional consagra uma estrutura dualista ao distinguir a Obrigação Tributária (OT) do Crédito Tributário (CT), de tal forma que, enquanto a OT surge pela ocorrência do “fato gerador”, o CT dependeria do procedimento de lançamento para sua perfeita constituição. Com supedâneo nessa estrutura dualista, o Código Tributário Nacional estabelece no art. 156 diversas hipóteses de extinção do “Crédito Tributário”, dispositivo que mereceu severas críticas por parte da doutrina, dentre as quais o fato de que, por vezes, a obrigação tributária é extinta antes mesmo da constituição do crédito, tal como ocorre no caso de decadência.
É importante ressaltar que o intitulado lançamento por homologação traduz-se em “procedimento não impositivo” – uma expressão utilizada por Zelmo Denari[9] –, pois a iniciativa constitutiva do crédito não é da Administração, mas do contribuinte, o qual, por sua conta e risco, declara ao Fisco o montante das operações tributáveis e efetiva o cálculo do imposto devido. Daí se falar em “débito declarado” em contraposição à expressão “débito apurado”. A primeira indica o débito constituído por iniciativa do contribuinte, por meio de um procedimento não impositivo. A segunda expressão – “débito apurado” – refere-se àquele débito constituído por iniciativa do Fisco, mediante procedimento impositivo.
Observemos um caso prático:
Imaginando que o fato gerador do ISS se dê em 6-7-2014, com recolhimento do gravame em 30-7-2014. Caso o Fisco queira rever o valor recolhido, até quando poderá fazê-lo?
ANÁLISE: o Fisco deverá fazê-lo no prazo de 5 (cinco) anos a contar do fato gerador, isto é, 5 anos a contar de 6-7-2014 (o termo ad quem ocorrerá em julho de 2019). Essa é a sistemática de cálculo – bastante simples, por sinal – imposta pelo art. 150, § 4º, do CTN. Observe que, antecipado o pagamento, inicia-se o prazo para o Fisco (I) homologar o lançamento nos casos de pagamento antecipado ou (II) lançar de ofício, de modo suplementar, o tributo cujo pagamento foi irregular (art. 149, V, do CTN). Caso haja o transcurso em branco do lustro decadencial, não mais poderá o Fisco discordar do importe antecipado.
Não é demasiado relembrar que o art. 150, § 4º, do CTN deverá ser ressalvado, nos seguintes casos:
a) se a lei não fixar outro prazo para a homologação, o que só poderá fazê-lo pra menos: com efeito, conforme assevera Alberto Xavier[10], “a proibição de dilatação do prazo, a livre alvedrio do legislador ordinário, decorre logicamente da função garantística que a lei complementar desempenha em matéria de prescrição e decadência, cuja limitação no tempo é corolário do princípio da segurança jurídica, que é um limite constitucional implícito ao poder de tributar”.
Em idêntica trilha, segue Gustavo Saad Diniz[11], que assevera: “o prazo estabelecido pela lei instituidora do tributo na fixação do termo ‘ad quem’ do lançamento por homologação tácita não pode exceder cinco anos. É o que propugna a doutrina quando procede à interpretação sistemática deste dispositivo. A expressão ‘se a lei não fixar prazo’, que inaugura o § 4º, deve ser acrescida do adjetivo ‘menor’, ou seja, se a lei não fixar prazo menor, o Fisco dispõe do prazo de cinco anos pra proceder ao lançamento, findo o qual sobre ele recai uma ficção jurídica, que extingue o crédito tributário”.
A esse propósito, igualmente, José Eduardo Soares de Melo[12] aduz que, “tendo o CTN fixado o prazo de 5 (cinco) anos, não há embasamento jurídico para cogitar-se de prazo superior”.
Por fim, Luciano Amaro[13] atesta que “o Código não diz expressamente qual a solução. Ela tem de ser buscada a partir de uma visão sistemática da disciplina da matéria, que nos leva para a possibilidade de a lei fixar apenas prazo ‘menor’(…)”.
b) se houver prova da ocorrência de dolo, fraude ou simulação: nesse caso, avoca-se a aplicação do art. 173, I, do CTN.
Como se pôde notar, o art. 150, § 4º, do CTN não oferta grandes dificuldades no cálculo. Todavia, a dúvida tende a aparecer nos casos em que inexistir o pagamento antecipado.
Conforme aduz Ricardo Lobo Torres[14], “não cabe cogitar de homologação se inexistiu o autolançamento ou o pagamento prévio. O que a Administração controla é o ato do contribuinte, o pagamento por ele antecipado. Inexistindo este, inexistirá a possibilidade de homologação (…)”.
Assim sendo, quando não há pagamento, segundo o entendimento do STJ, deve-se calcular o prazo de decadência a partir do art. 173, I, do CTN. Caso não haja o pagamento antecipado, não há o que se homologar e, portanto, caberá ao Fisco promover o lançamento de ofício, submetendo-se ao prazo do art. 173, I, do CTN. Nesse sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho[15] destaca que a “solução do dia primeiro do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado aplica-se ainda aos impostos sujeitos à homologação do pagamento na hipótese de não ter ocorrido pagamento antecipado… Se tal não houve, não há o que homologar (…)”.
Luciano Amaro e Paulo de Barros Carvalho esposam idêntico pensar, acreditando que a aplicação do art. 173, I, do CTN para esse caso é a regra mais condizente com o espírito do sistema.
Posto isso, partindo-se da premissa de que não se deve cogitar de homologação, se inexistiu o pagamento prévio, consoante a visão do STJ, deve-se calcular o prazo de decadência com fulcro no art. 173, I, do CTN, o qual regerá o lançamento de ofício a ser perpetrado pela administração (art. 149, V). A esse ponto, tem convergido, de modo uníssono, o entendimento da doutrina e da jurisprudência.
Observe a jurisprudência no STJ:
EMENTA: Nos tributos sujeitos ao regime do lançamento por homologação, a decadência do direito de constituir o crédito tributário se rege pelo art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, isto é, o prazo para esse efeito será de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador; a incidência da regra supõe, evidentemente, hipótese típica de lançamento por homologação, aquela em que ocorre o pagamento antecipado do tributo. Se o pagamento do tributo não for antecipado, já não será o caso de lançamento por homologação, hipótese em que a constituição do crédito tributário deverá observar o disposto no art. 173, I, do Código Tributário Nacional. Embargos de divergência acolhidos (EREsp 101.407/SP, 1ª T., rel. Min. Ari Pargendler, j. 7-4-2000; ver, nesse sentido, o REsp 279.473/SP, 2ª T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 21-2-2003; e a Súmula 219 do TFR) (Grifos nossos).
Entretanto, subsiste respeitável entendimento doutrinário divergente[16], segundo o qual a aplicação do art. 150, § 4º, do CTN deverá ocorrer, mesmo diante da ausência de pagamento antecipado. Tal posicionamento está calcado na ideia de que o objeto da homologação é a atividade de apuração desenvolvida pelo contribuinte, e não o “pagamento efetuado”. Quando impropriamente se fala em haver a “homologação do pagamento”, em verdade se está fazendo referência à homologação da atividade que motivou aquele pagamento. Aliás, o próprio caput faz menção ao termo “atividade”.
O raciocínio, não obstante louvável e, até mesmo, exitoso na órbita administrativa federal, choca-se com a visão do STJ, que possui precedentes nos quais se afirma a aplicabilidade do art. 150, § 4º, do CTN apenas às hipóteses em que o sujeito passivo apura, declara e paga alguma quantia, enquanto o lançamento de ofício (art. 173, I) a ser feito pela Fazenda serve para exigência de uma diferença decorrente de eventual equívoco verificado na apuração feita pelo contribuinte.
Os Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda e a Câmara Superior de Recursos Fiscais[17] têm assim decidido, dispondo que a ausência de recolhimento do tributo não altera a natureza do lançamento.
2.3. A decadência no CTN e a visão do STJ quanto à cumulação de prazos
O STJ[18], a partir de 1995, passou a entender viável a cumulação dos prazos, concebendo os dois artigos do CTN – art. 173, I e art. 150, § 4º – como normas cumulativas ou concorrentes, isto é, não reciprocamente excludentes. Assim, o prazo decadencial passou a encontrar lastro na intitulada tese dos cinco mais cinco (5 + 5), por meio da qual o dies a quo do prazo do art. 173 era o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do art. 150, § 4º. Veja a elucidativa ementa:
EMENTA: Estabelece o art. 173, inciso I, do CTN que o direito da Fazenda de constituir o crédito tributário extingue-se após 05 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento por homologação poderia ter sido efetuado. Se não houve pagamento, inexiste homologação tácita. Com o encerramento do prazo para homologação (05 anos), inicia-se o prazo para a constituição do crédito tributário. Conclui-se que, quando se tratar de tributos a serem constituídos por lançamento por homologação, inexistindo pagamento, tem o fisco o prazo de 10 anos, após a ocorrência do fato gerador, para constituir o crédito tributário. Embargos recebidos (EREsp 132.329/SP, 1ª T., rel. Min. Garcia Vieira, j. 28-4-1999) (Grifos nossos).
Para o STJ, desse modo, no lançamento por homologação, utiliza-se o art. 150, § 4º, do CTN, cujo prazo é o de 5 (cinco) anos, a contar do fato gerador, cumulando-o, posteriormente, com o quinquênio a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
Em meio à extensa jurisprudência[19] ratificando a tese dos “5 + 5”, não podemos deixar de pinçar dois emblemáticos julgados que demonstram, didaticamente, a contagem cumulativa:
EMENTA (1): TRIBUTÁRIO (…) CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA – PRAZO (CTN, ART. 173). (…) III – o termo inicial da decadência prevista no art. 173, I, do CTN não é a data em que ocorreu o fato gerador. IV – a decadência relativa ao direito de constituir crédito tributário somente ocorre depois de cinco anos, contados do exercício seguinte àquele em que se extinguiu o direito potestativo de o estado rever e homologar o lançamento (CTN, art. 150, parágrafo 4º) V – se o fato gerador ocorreu em outubro de 1974, a decadência opera-se em 1º de janeiro de 1985 (REsp 69.308/SP, 1ª T., rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 4-12-1995) (Grifos nossos).
EMENTA (2): TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ICMS. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 150, § 4º E 173, INCISO I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. CONTAGEM DO PRAZO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. PRECEDENTES. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado que o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário não tem início com a ocorrência do fato gerador, mas, sim, depois de cinco anos contados do exercício seguinte àquele em que foi extinto o direito potestativo da Administração de rever e homologar o lançamento. 2. Não configurada a decadência no caso em exame – cobrança de diferença de ICMS em lançamento por homologação –, porquanto o fato gerador ocorreu em junho de 1990, e a inscrição da dívida foi realizada em 15 de agosto de 1995, portanto, antes do prazo decadencial, que só se verificará em 1º de janeiro de 2001 (6/90 – fato gerador/+ 5 anos = 6/95 – extinção do direito potestativo da Administração/1º-1-1996 – primeiro dia do exercício seguinte à extinção do direito potestativo da Administração/+/5 anos = prazo de decadência da dívida/15-8-1995 – data em que ocorreu a inscrição da dívida/1º-1-2001 – limite do prazo decadencial). 3. Recurso conhecido e provido. Decisão unânime (REsp 198.631-SP-2000, 2ª T., rel. Min. Franciulli Netto, j. 25-4-2000) (Grifos nossos).
Observemos, agora, um caso prático:
Para um fato gerador ocorrido em 15-2-2006, como se aplica a contagem dos “5 mais 5”?
ANÁLISE: imaginando um tributo com fato gerador ocorrido em 15-02-2006, se somarmos 5 (cinco) anos a essa data, chegaremos a 15-2-2009, ou seja, ao termo ad quem para que o Fisco, diante da provável inexistência do pagamento antecipado, homologue o lançamento (“pagamento” – art. 150, § 4º, do CTN). Como não há pagamento antecipado, para o STJ, não há o que homologar. Sendo assim, avoca-se a aplicação imediata do art. 173, I, do CTN (cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento PODERIA ter sido efetuado). A partir do problema proposto, teremos a seguinte situação:
20011 | Ano em que o lançamento poderia ter sido efetuado |
2012 | Exercício seguinte ao ano em que o lançamento poderia ter sido efetuado |
1º-1-2012 | 1º dia do exercício seguinte àquele ano (Aqui se começa a contar do zero) |
1º-1-2013 | Contagem: um ano (Desenrolar da contagem de cinco anos…) |
1º-1-2014 | Contagem: dois anos |
1º-1-2015 | Contagem: três anos |
1º-1-2016 | Contagem: quatro anos |
1º-1-2017 | Contagem: cinco anos |
À luz do entendimento do STJ, no bojo da tese dos cinco mais cinco (5 + 5), o tributo com fato gerador em 15-2-2006, em que tenha havido falta de pagamento, poderá ser objeto de lançamento até 31-12-2016 (dies ad quem), ou seja, aproximadamente, onze anos a contar do fato gerador.
A crítica que se faz à sistemática é bem simples: dá-se ao verbo “poderia”, na verdade, um “poder que não pode mais”, segundo Eurico de Santi[20]. Em outras palavras, o STJ, ao considerar o dies a quo como o dia em que se deu a perda do poder de lançar, desloca para o infinito a ocorrência da decadência. Como é cediço, “o direito não compadece do infinito. É o poder gerando poder em insana circularidade”[21].
Observe o esquema gráfico:
Art. 173, I, CTN | |
CTN | INTERPRETAÇÃO PARA O STJ |
5 anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento PODERIA ter sido efetuado. | 5 anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento (AINDA) PODERIA ter sido efetuado. |
Conforme aduz Leandro Paulsen[22], “a regra do § 4º é especial relativamente à do art. 173, I, deste mesmo Código. E, em havendo regra especial, prefere à regra geral. Não há falar em aplicação cumulativa de ambos os artigos (…)”. Evidencia, com a técnica, que o prazo seria, sempre e de modo automático, renovado, à semelhança de um verdadeiro looping.
Alberto Xavier[23] trata do tema com criticidade e agudeza de espírito:
“A ilogicidade da tese jurisprudencial no sentido da aplicação concorrente dos arts. 150, § 4º, e 173 resulta ainda evidente da circunstância de o § 4º do art. 150 determinar que se considera “definitivamente extinto o crédito” no término do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador. Qual seria pois o sentido de acrescer a este prazo um novo prazo de decadência do direito de lançar quando o lançamento já não poderá ser efetuado em razão de já se encontrar “definitivamente extinto o crédito”? Verificada a morte do crédito no final do primeiro quinquênio, só por milagre poderia ocorrer sua ressurreição no segundo”.
Ademais, a solução é mesquinha e lamentável do ponto de vista dos direitos do cidadão, porquanto mais que duplica o prazo decadencial de cinco anos. Perguntar-se-ia: qual a lógica em somar, ao primeiro lustro, um novo prazo quinquenal de decadência, quando o lançamento já não pode ser efetuado, haja vista já se encontrar definitivamente extinto o crédito?
A doutrina unânime, portanto, prefere dar à forma verbal “poderia” uma interpretação mais restrita (“já poderia”).
Observe o esquema gráfico:
Art. 173, I, CTN | |
CTN | INTERPRETAÇÃO PARA A DOUTRINA |
5 anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento PODERIA ter sido efetuado. | 5 anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento (JÁ) PODERIA ter sido efetuado. |
Note que tal interpretação, semeada pela doutrina, obriga a consideração de que o lançamento deve ocorrer JÁ no ano do fato gerador. De fato, seguindo essa trilha, igualmente, desponta forte vocação jurisprudencial para o abandono da tese da aplicação conjunta dos arts. 150, § 4º, e 173, I, ambos do CTN. E isso tem sido observado em vários posicionamentos jurisprudenciais. O acórdão abaixo, traduzindo a visão do STJ, já no ano de 2005, afastou a “tese dos 5+5”, relativamente ao direito de a Fazenda Pública lançar. Trata-se de acórdão sobremodo expressivo, pois se baseia em uma sólida fundamentação. Vamos reproduzi-lo, quase que na íntegra, em homenagem à didática do texto: Observe-o:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. (…) TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. PRAZO PARA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. TERMO INICIAL. (…) 10. Deveras, é assente na doutrina: a aplicação concorrente dos arts. 150, § 4º e 173, o que conduz a adicionar o prazo do art. 173 – cinco anos a contar do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido praticado – com o prazo do art. 150, § 4º – que define o prazo em que o lançamento poderia ter sido praticado como de cinco anos contados da data da ocorrência do fato gerador.
Desta adição resulta que o “dies a quo” do prazo do art. 173 é, nesta interpretação, o primeiro dia do exercício seguinte ao do “dies ad quem” do prazo do art. 150, § 4º. A solução é deplorável do ponto de vista dos direitos do cidadão porque mais que duplica o prazo decadencial de cinco anos, arraigado na tradição jurídica brasileira como o limite tolerável da insegurança jurídica. Ela é também juridicamente insustentável, pois as normas dos arts. 150, § 4º e 173 não são de aplicação cumulativa ou concorrente, antes são reciprocamente excludentes, tendo em vista a diversidade dos pressupostos da respectiva aplicação: o art. 150, § 4º, aplica-se exclusivamente aos tributos “cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa”; o art. 173, ao revés, aplica-se aos tributos em que o lançamento, em princípio, antecede o pagamento. (…) 11. In casu, considerando que os débitos relativos à COFINS referem-se ao período de junho a dezembro de 1992, e que o auto de infração foi lavrado em 27-7-1999, consoante assentado pelas instâncias ordinárias, não merece acolhida a pretensão do recorrente, por isso que o lançamento foi efetivado após o prazo de cinco anos, previsto no art. 150, § 4º, do CTN. 12. Precedentes da Primeira Seção: ERESP 276142/SP; rel. Min. Luiz Fux, DJ de 28-2-2005; ERESP 279473/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 11-102004) 13. Recurso especial improvido (STJ, REsp 638.962/PR, Recurso Especial 2004/0010290-8, Min. Luiz Fux, 1ª T., 2-6-2005) (Grifos nossos).
Em 2005, a 1ª Turma do STJ, no REsp 638.962/PR, de relatoria do Ministro Luiz Fux, houve por bem em acenar o começo da mudança de posicionamento, concebendo a ideia de que a única soma de prazos que poderia ocorrer, a rigor, era entre o prazo de decadência do direito de lançar e o prazo de prescrição para executar as quantias que eventualmente tenham sido lançadas dentro do primeiro prazo. Não há lugar para uma descabida “soma” de prazos de decadência[24].
2.4. A decadência no CTN e a anulação do lançamento anterior
O tema da decadência e a anulação do lançamento anterior vem expresso no art. 173, II, do CTN:
Art. 173: O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
(…)
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
O dispositivo em epígrafe deverá ser aplicado nos casos em que houver a anulação do lançamento anteriormente realizado. Nessa situação, o Fisco procede ao lançamento, permitindo-se impugnação do sujeito passivo, quanto a vício formal. Assim, após a decisão definitiva que anular o lançamento originário, reabre-se o prazo de cinco anos para que se faça novo lançamento.
Defende-se, no plano doutrinário, que tal decisão pode ser administrativa ou judicial, até porque tanto a Administração como o Judiciário podem anular o lançamento. A esse respeito, urge apresentar os dizeres de José Eduardo Soares de Melo[25], Luciano Amaro[26] e outros, que assim se posicionam. Entretanto, Sacha Calmon Navarro Coêlho[27] defende que a decisão só pode ser a de natureza administrativa, ocorrente no bojo de um processo de revisão de lançamento. O ínclito doutrinador argui, ainda, que, se a decisão fosse “judicial”, já não se trataria de decadência; o crédito já estaria formalizado. O direito de crédito já estaria incorporado ao patrimônio jurídico da Fazenda Pública.
Ressalte-se que o comando normativo em cotejo se refere a vício formal – aquele inerente ao procedimento do lançamento (e.g., insuficiência/ausência na fundamentação no lançamento; ausência de assinatura da autoridade fiscal, entre outros exemplos), desde a atividade de fiscalização até a notificação do lançamento ao sujeito passivo –, e não a insubsistência do lançamento por vícios de índole “material”. Estes dizem com a substância da obrigação tributária, com a validade e com a incidência da lei, v.g., inexistência de fato gerador, atribuição de responsabilidade a quem legalmente não a tenha, situações de imunidade, de isenção etc. Portanto, para a boa exegese do dispositivo, há que se diferenciar o vício de natureza formal (adjetivo) daquele de natureza material (substantivo).
Observemos, agora, um caso prático:
Uma empresa foi autuada em novembro de 2007, sabendo-se que o lançamento se realizou com vícios formais (os auditores-fiscais, por um lapso, não intimaram o representante legal da contagem dos estoques da autuada e não concederam o prazo legal para a apresentação de documentos). Na ocasião, a empresa, inconformada, ajuizou uma ação anulatória de débito fiscal, cuja decisão transitou em julgado no dia 10 de junho de 2012, tendo o Juízo decidido pelo cancelamento da autuação em razão dos mencionados vícios formais. Sabendo-se que, em 20 de abril de 2017, a empresa recebeu nova autuação referente à mesma irregularidade cometida, pergunta-se: a Fazenda teria decaído do direito de efetuar o lançamento? |
ANÁLISE: não, a Fazenda não teria decaído do direito de efetuar o lançamento, porquanto a contagem da caducidade será feita a partir da data da decisão definitiva, ou seja, 10 de junho de 2012, permitindo-se que o segundo lançamento ocorra até 10 de junho de 2017. Como se lançou em 20 de abril de 2017, não há que se falar em decadência.
Todavia, não obstante a clareza do cálculo, tem subsistido infindável controvérsia acerca do alcance do preceptivo. Questiona-se sobre a possível (e discutível) previsão de hipótese de interrupção de prazo decadencial.
Há posicionamento, na doutrina e na jurisprudência, segundo o qual a decadência não se interrompe nem se suspende, correndo o prazo decadencial sem solução de continuidade. Observe a ementa:
EMENTA: PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO (ART. 174 DO CTN). 1. Em direito tributário, o prazo decadencial, que não se sujeita a suspensões ou interrupções, tem início na data do fato gerador, devendo o Fisco efetuar o lançamento no prazo de cinco anos a partir desta data. (…) (REsp 332.366/MG, 2ª T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 19-2-2002; ver, no mesmo sentido o REsp 575.991/SP, 2ª T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 14-6-2005) (Grifos nossos).
De outra banda, defende-se a ideia de que a decadência, não se compaginando com as peculiaridades do instituto privatístico, admite, sim, a interrupção. Nessa linha de defesa, seguem Paulo de Barros Carvalho[28], José Eduardo Soares de Melo[29], e outros.
É certo, todavia, que a regra estudada – se norma interruptiva ou não –, conferindo excessiva elasticidade ao prazo, tende a beneficiar o Erário no seu próprio erro, sendo de uma irracionalidade gritante. Mesmo que se leve em conta a supremacia do interesse público sobre o particular, não seria despiciendo asseverar que o dispositivo premia a desídia e a imperícia governamentais e enaltece o administrador incompetente, prestigiando o desacerto.
Não é à toa que se tem mantido tom severamente crítico, entre os estudiosos, quanto ao preceptivo ora estudado: Alcides Jorge Costa[30] considera o dispositivo “infeliz”, enquanto, para Luciano Amaro[31], “o preceito legal é um dislate, que causa arrepios na doutrina e contém uma solução estapafúrdia”.
2.5. A decadência no CTN e a medida preparatória de lançamento
O tema da decadência e a medida preparatória de lançamento vem expresso no art. 173, parágrafo único, do CTN. Note o seu teor:
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
(…)
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
O preceptivo acima indica uma antecipação do dies a quo do prazo decadencial, na medida em que o marco inicial de contagem é deslocado DO primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado PARA a data da providência preparatória de constituição do crédito tributário.
Observemos um caso prático:
Se o contribuinte for notificado de uma medida preparatória de lançamento em 15 de maio de um exercício, relativamente a um fato gerador ocorrido em fevereiro do mesmo exercício, quando ocorrerá o início da contagem do prazo de decadência? |
ANÁLISE: o início da contagem do prazo decadencial não ocorrerá no 1º dia do exercício seguinte, à luz do art. 173, I, do CTN, mas no dia 16 de maio – a data antecipada a partir da qual se somará o prazo de 5 anos para a conclusão do lançamento.
Frise-se que, caso já se tenha iniciado o prazo decadencial por força do inciso I do art. 173 do CTN, a medida preparatória em análise não será hábil a interromper ou suspender o prazo decadencial em curso. Assim tem entendido boa parte da doutrina[32], destacando-se que o parágrafo único ora estudado só opera efeitos para antecipar o prazo decadencial, e não para o interromper.
Nesse sentido, afirma Luciano Amaro[33]:
“(…) o prazo decadencial já terá tido início, e o prazo a que se refere o citado item é um prazo para “constituir o crédito” e não para “começar a constituir o crédito”. Em suma, parece-nos que o parágrafo só opera para “antecipar” o início do prazo decadencial, não para “interrompê-lo”, caso ele já tenha tido início, de acordo com o item I do caput do dispositivo”.
A propósito, Pedro Roberto Decomain traz um elucidativo exemplo:
“Figure-se o caso em que, num tributo sujeito a lançamento por homologação, ou autolançamento, tenha decorrido um prazo de quatro anos e seis meses, desde a data do fato gerador. Nessa hipótese, em sendo notificado o sujeito passivo de qualquer medida necessária ao lançamento, terá, a partir dessa notificação, a Administração Pública um novo prazo de cinco anos para realizar o lançamento e, com isso, constituir o crédito tributário? Ou o prazo de cinco anos, iniciado da data do fato gerador, continuará fluindo, e a Administração terá, então, mais seis meses para realizar o lançamento definitivo do crédito tributário? A única conclusão possível, para que o parágrafo não acabe sendo tornado letra morta, parece ser essa”[34].
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A DECADÊNCIA E A LEI COMPLEMENTAR
A lei complementar visa “complementar” uma norma constitucional não autoexecutável, ou seja, visa explicitar norma despida de eficácia própria, sujeitando-se à aprovação, no Poder Legislativo, por maioria absoluta (quorum especial de votantes, vale dizer, voto favorável de mais da metade do número total de membros das duas Casas do Congresso Nacional – Câmara dos Deputados e Senado Federal).
Sua elaboração já vem indicada ou sugerida no próprio texto da Constituição, para complementação ou regulamentação de certos assuntos. Note a dicção do art. 146, III, b, da CF:
Art. 146. Cabe à lei complementar: (…)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (…)
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (…).
A lei complementar a que se refere o artigo supramencionado é o próprio CTN – Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/66), que surgiu como lei ordinária, adquirindo, posteriormente, força de lei complementar. Desse modo, a Lei n. 5.172/66, embora aprovada como lei ordinária, foi elevada, ainda sob a égide da Carta Constitucional de 1967, à categoria de lei complementar, em razão principalmente do seu objeto. Para se chegar a essa conclusão – a de que o CTN possui natureza de lei complementar –, deve-se interpretar o art. 146 da CF à luz do art. 1º do CTN, que indica as matérias afetas à lei complementar e, após, compará-las com a estrutura dogmática do próprio Código Tributário Nacional. Daí se inferir que as normas desse Código devem ser modificadas apenas por nova lei complementar ou pelas normas que lhe forem hierarquicamente superiores.
Como se evidenciou acima, o art. 146, III, b, da CF disciplina que compete à lei complementar estabelecer normas gerais sobre decadência em matéria tributária.
Vale mencionar que parte da doutrina entende que o inciso III estaria condicionado à ocorrência dos dois primeiros incisos (conflito de competência e limitação ao poder de tributar) – é a chamada Teoria Dicotômica, com grande apego ao Princípio Federativo.
Tendemo-nos a filiar à outra Teoria – a Tricotômica –, que preconiza total independência do inciso terceiro, com relação aos anteriores, apegando-se à segurança jurídica. A nosso sentir, na trilha de abalizada doutrina[35], cabe à lei complementar instituir normas gerais do direito tributário, independentemente de se tratar de conflito de competência ou de limitação ao poder de tributar.
Ad argumentandum, destacamos a seguir alguns pontos de vista que sustentam a tese segundo a qual a lei ordinária pode tratar, sim, de prazo de decadência, afastando a limitação criada pela Constituição Federal. Seus defensores entendem que:
a) a lei complementar fixa normas gerais, podendo a lei ordinária dispor de modo contrário. Aquela, a Lei Complementar, não poderá entrar no campo da chamada “economia interna” – assuntos de peculiar interesse das pessoas políticas;
b) tal limitação provoca, sim, uma violação ao princípio federativo, uma vez que a lei federal estaria estabelecendo norma de observação obrigatória para Estados, Distrito Federal e Municípios;
c) o próprio art. 150, § 4º, do CTN permite que a lei de cada ente tributante estipule prazo de decadência diferenciado.
A contra-argumentação, entretanto, oferta uma visão segundo a qual deve prevalecer a supremacia da lei complementar. Os defensores, aos quais fazemos coro, entendem que:
a) se não for assim, o art. 146 da CF será transformado em letra morta. O citado comando quer que as normas gerais prevaleçam sobre o campo específico, e não o contrário;
b) o princípio federativo não pode se sobrepor perante o princípio da segurança jurídica. Este ficaria comprometido com a convivência multifacetada de prazos. Como é cediço, a lei complementar tem papel unificador, com importante função garantística, o que ratifica o pacto federativo, não o estiolando.
3.1. A decadência e o prazo decenal das contribuições sociais
Grandes embates surgiram na doutrina e na jurisprudência no campo da decadência e prescrição, diante do prazo decenal estipulado nos arts. 45 e 46 da Lei n. 8.212/91, em contraposição aos quinquênios previstos no CTN (arts. 173 e 174).
Eurico Marcos Diniz de Santi[36], sendo seguido por Sacha Calmon Navarro Coêlho, é categórico ao apontar a inconstitucionalidade da norma em epígrafe, recomendando a prevalência do prazo quinquenal estabelecido pelo CTN, na esteira da Súmula 108 do TFR[37].
É certo que o art. 110 do CTN admite que a lei tributária pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, desde que não utilizados, expressa ou implicitamente pela Constituição do Brasil. Todavia, o art. 146, III, b, da CF pede lei complementar para a estatuição de “normas gerais”, no campo tributário afeto à decadência e a outras matérias. Assim, muito embora o instituto da caducidade seja haurido do direito privado, é o CTN que disciplinará a matéria, à luz do princípio da compatibilidade vertical das normas jurídicas.
A maior demonstração de aplicabilidade desse dispositivo se deu em junho de 2008, com a publicação da Súmula Vinculante 8, afastando os prazos decenais das mencionadas contribuições social-previdenciárias.
A Emenda Constitucional n. 45, de 2004, incluindo o art. 103-A no texto constitucional, já regulamentado pela Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, estipulou que “o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, (…), aprovar súmula que (…) terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta (…)” (Grifos nossos).
Em 12 de junho de 2008, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 8, cujo teor segue, ipsis litteris:
São inconstitucionais o parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei n. 1.569/77 e os arts. 45 e 46 da Lei n. 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.
É que os arts. 45 e 46 da Lei n. 8.212/91 tratavam, respectivamente, dos prazos decenais de decadência e prescrição, em relação às contribuições para a seguridade social. De acordo com tais dispositivos legais, esses prazos seriam de 10 anos, em plena dissonância dos prazos quinquenais do CTN, no art. 173 (decadência) e no art. 174 (prescrição).
Como é cediço, a Lei n. 8.212/91 não é uma lei complementar, mas uma lei ordinária, razão por que lhe é vedada a ingerência em matéria cabente à lei de normas gerais. Vale dizer que somente o CTN pode tratar de prazos de decadência e prescrição.
Desse modo, a partir da Súmula Vinculante 8, aplicam-se para as contribuições da seguridade social as regras de decadência e prescrição previstas no Código Tributário Nacional (CTN), ou seja, o prazo quinquenal, próprio de todo tributo.
Nessa toada, deve haver o reconhecimento da decadência e da prescrição nos feitos lastreados em cobrança de créditos tributários que possam vir a ser atingidos pela nova e restritiva contagem. É a “eficácia imediata”, própria da súmula vinculante.
Caso o magistrado não se posicione acerca dos efeitos imediatos da Súmula Vinculante 8, quando provocado pelo interessado, pode haver a protocolização de Reclamação no STF, com base no § 3º do art. 103-A da CF (e art. 7º da Lei n. 11.417/2006).
De uma maneira ou de outra, toda a Administração Pública, a par de todas as instâncias do Judiciário, sendo instadas a decidir, subordinam-se, inexoravelmente, ao preceito da Súmula Vinculante 8 do STF.
CONCLUSÕES
O desenvolvimento das relações jurídicas não se põe imune aos efeitos inexoráveis do tempo. A decadência é um instituto jurídico que, vinculado a um certo intervalo temporal, cria, modifica ou extingue direitos para os sujeitos do negócio jurídico, em nome de um elemento axiológico de maior relevo, qual seja, a segurança jurídica ou estabilidade das relações jurídicas.
Desse modo, a decadência desponta como consequência da necessidade de o Direito lidar com essa questão do tempo, uma vez que, no transcorrer deste, nem todos os direitos e deveres devem ser plenamente exercidos.
Quando aplicada ao sistema tributário, à luz do CTN, a decadência (ou caducidade) tem sido motivo de grande polêmica e gerado incontáveis incompreensões, na doutrina e na jurisprudência, sobretudo aquela produzida no STJ.
Em regra geral, diz-se que a decadência visa atacar o próprio direito, promovendo seu decaimento ou seu perecimento e, ipso facto, a extinção do crédito tributário (art. 156, V, CTN c/c o REsp 1.355.947/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., j. 12-6-2013). Entretanto, há certa polêmica sobre o verdadeiro objeto da decadência: para alguns, é o crédito tributário, conforme dispõem os arts. 156, V, e 173, ambos do CTN; para outros, é a própria obrigação tributária. Tal divergência decorre, na verdade, da seguinte discussão: (I) se o crédito tributário somente nasce com o lançamento ou (II) se o crédito tributário surge junto com a obrigação tributária.
A propósito, entendemos estar garantido o direito à restituição de tributo, pago a maior ou indevidamente, já atingido pela decadência. De fato, quando se tem o decaimento do direito de lançar, perece a relação obrigacional, extinguindo-se o próprio direito material, não mais existindo a dívida. Sendo assim, havendo o pagamento de um tributo atingido pela caducidade, desponta o direito à restituição, uma vez que se pagou o que não mais se devia. Tal entendimento pode ser corroborado no retrocitado art. 156, V, do CTN, segundo o qual a decadência extingue o crédito tributário, o que dá ao interessado franco direito à restituição.
Segundo a literalidade do caput do art. 142 do CTN, a constituição do crédito tributário ocorre por meio do lançamento, que deve dar-se em um interregno de 5 anos (quinquênio ou lustro), sob pena de decadência. Frise-se, ainda, que a Fazenda não está inibida de proceder ao lançamento, prevenindo a decadência do direito de lançar, mesmo que haja a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Portanto, em consonância com a iterativa jurisprudência, a simples suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, I a VI, do CTN) não impede a sua constituição e, desse modo, não influi no prazo decadencial.
Por fim, a decadência decorre sempre de lei, sendo tratada, com exclusividade, em lei de normas gerais, ou seja, no próprio art. 173 do CTN. Tal entendimento deflui da leitura do art. 146, III, b, da CF, cujo teor foi ratificado pela Súmula Vinculante 8, em junho de 2008.
REFERÊNCIAS
AMARO, Luciano. Lançamento por homologação e decadência. São Paulo: Resenha Tributária, 1975 (Resenha Tributária, Seção 1.3 – Imposto sobre a Renda – Comentário).
__________. Direito tributário brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva.
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CASTRO, Alexandre Barros. Teoria e prática do direito processual tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
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[1]* Professor, Advogado e Autor de Obras Jurídicas. Doutor em Direito Tributário, pela PUCSP; Doutor em Língua Portuguesa, pela PUCSP; Mestre em Direito Público e Evolução Social, pela UNESA/RJ; Professor de Direito Tributário, de Língua Portuguesa e de Redação no Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS); Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Tributário da Estácio/CERS e da Faculdade Baiana de Direito; Professor de Direito Tributário (Graduação e Pós-Graduação) da Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP.
- CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 16. ed., São Paulo: Saraiva, p. 464.
[2] SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário – aspectos teóricos, práticos e análise das decisões do STJ. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo n. 62, nov. 2002, p. 34-36 (p. 36).
[3] SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 143.
[4] Em voto emblemático prolatado em 6-10-1982, o então Ministro do STF, Moreira Alves, nos Embargos no Recurso Extraordinário n. 94.462 (Pleno), evidenciou que o direito de lançar é um direito “potestativo modificativo”, porquanto o Fisco transforma a obrigação tributária ilíquida em obrigação tributária líquida, isto é, no próprio crédito tributário.
[5] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 383.
[6] Ver, nesse sentido: REsp 101. 407/SP-2000; REsp 183.603/SP-2001; e REsp 643.329/PR-2004.
[7] V. NEVES, José Carlos de Souza Costa. Decadência e prescrição. In: martins, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 193.
[8] OLIVEIRA, José Jayme de Macêdo. Código Tributário Nacional: comentários, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 391.
[9] DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 193-194.
[10] XAVIER, Alberto. Prazos de decadência: âmbito de aplicação dos arts. 150, § 4º, e 173, I, do CTN. RTFP n. 55/105, abr. 2004.
[11] DINIZ, Gustavo Saad. In: OLIVEIRA SILVA, Volney Zamenhof de (Coord.). Código Tributário Nacional: comentado, anotado e atualizado. 2. ed. Campinas/SP: CS Edições, 2002, p. 500.
[12] MELO, José Eduardo Soares. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 325.
[13] AMARO, Luciano. Lançamento por homologação e decadência. São Paulo: Resenha Tributária, 1975 (Resenha Tributária, Seção 1.3 – Imposto sobre a Renda – Comentário), p. 343-344.
[14] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 283.
[15] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro: comentários à Constituição Federal e ao Código Tributário Nacional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 721. Ver, ademais, nesse sentido: AMARO, Luciano. Lançamento por homologação e decadência, p. 396.
[16] V. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; RAMOS, Paulo de Tarso Vieira. Lançamento tributário e decadência. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Lançamento tributário e decadência. São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 2002, p. 263.
[17] Ver na CSRF: (I) Proc. 10980.010992/99-45, 1ª C., j. 15-10-2002, rel. Maria Goretti de Bulhões Carvalho e (II) Proc. 10680.004198/2001-31, 1ª C., rel. Maria Goretti de Bulhões Carvalho, j. 16-2-2004.
[18] Há, nesse sentido, farta jurisprudência no STJ: REsp 58.918-5/RS-1995; REsp 58.9185/RJ-1995; REsp 58.918-5/RJ-1995; REsp 69308/SP-1995; REsp 132.329/SP-1999; REsp 189.421/SP-1999; REsp 169.248/SP-1999; REsp 260.740/RJ-2000; REsp 178.526/SP2001; REsp 169.246/SP-2002; REsp 186.546/PR-2002; REsp 174.672/SP-2002; REsp 507.589/PR-2003; REsp 463.521/PR-2003.
[19] Ver, à guisa de aprofundamento: EREsp 132.329/SP, 1ª Seção (junho de 1999); EREsp 507.589/PR, 1ª Seção (setembro de 2003); EREsp 58.918-5/RJ, 1ª Seção (junho de 1995); EREsp 58.918-5/RJ, 1ª Seção (junho de 1995); EREsp 463.521/PR, 1ª Seção (maio de 2003); EREsp 189.421/SP (março de 1999); EREsp 169.246/SP (março de 2002); EREsp 186.546/PR (março de 2002); EREsp 58.918-5/RS; EREsp 178.526/SP; EREsp 169.248/SP; EREsp 174.672/SP (março de 2002); EREsp 260.740/RJ (outubro de 2000).
[20] SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário, 2004, p. 190.
[21] Ibidem, p. 191.
[22] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 964.
[23] XAVIER, Alberto. Do Lançamento. Teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 92-94.
[24] Vale a pena pesquisar os seguintes julgados, que demonstram a mudança de posição do STJ: em 2005 (REsp 638.962/PR; RESP 276.142/SP; e REsp 572.603/PR) e em 2006 (AgRg nos EREsp 216.758/SP).
[25] MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, 8. ed., p. 388.
[26] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 14. ed., São Paulo: Saraiva, p. 407.
[27] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 6. ed., p. 721.
[28] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 16. ed., p. 465.
[29] MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário, 8. ed., p. 388-389.
[30] COSTA, Alcides Jorge. Da extinção das obrigações tributárias. São Paulo, 1991. Tese (Titularidade) – FADUSP, p. 251.
[31] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 14. ed., p. 408 (n. 28).
[32] Ver (I) SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário, p. 168-169; (II) COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 6. ed., p. 720-721; (III) CASTRO, Alexandre Barros. Teoria e prática do direito processual tributário, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2002. p. 77; (IV) MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 18. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 167.
[33] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 14. ed., p. 408.
[34] DECOMAIN, Pedro Roberto. Anotações ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 649.
[35] V. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário, p. 89-92.
[36] V. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário, p. 95-96.
[37] Súmula 108 do TFR (1982): “A constituição do crédito previdenciário está sujeita ao prazo de decadência de cinco anos”.